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domingo, 7 de fevereiro de 2010

O DIABO ENAMORADO


Existem variados encontros de um sujeito com uma obra: um romance, um poema, uma escultura, uma pintura, um livro científico, filosófico ou psicanalítico. Desse encontro, inusitados efeitos se produzem; dos mais formais como resenhas e comentários até os mais íntimos e privados que causam um silêncio estrondoso. Um percurso singular que depende do sujeito e da obra. O que cada um procura em seu caminho inquieto, faltante e desejoso aponta para o que vai ser encontrado. A obra parece ficar à espera, cuidadosamente posicionada para surgir nas mãos e diante dos olhos desse viajante que sempre chegará a seu destino.
Diante de uma questão, todo um itinerário é percorrido nessa viagem feita em busca da mensagem que a responderá. Mas uma vez decifrado o enigma, a esfinge apresenta outro ainda mais inquietante.
Existem ainda aqueles que jogam suas mensagens ao mar como um naufrago a procura, não do encontro singular, mas apenas de terra firme. O que queres? Alguém, qualquer um, portador das velas - que iluminam a escuridão do barco a deriva - e da segurança do destino. Dái resulta um não encontro, não há encontro entre duas singularidades quando só há necessidade. O naufrago só pode pensar em sua sobrevivência, já pulou de um barco e está em busca de outro seguro que não o deixe a deriva.
Se a fantasia é nosso filtro com a realidade, pois não há real possível de simbolizar, ela posiciona o sujeito dividido diante do objeto que causa seu desejo numa relação de inclusão/exclusão, alienação/separação. “Que queres?” pergunta Jacques Cazotte por meio de seu “Diabo Enamorado”. A pergunta sobre o desejo sempre é diabólica. Nossa resposta também.
Interrogo-me se precisamos mesmo responder a essa pergunta. Penso que podemos enfrentá-lo, olhando nos olhos do diabo e não responder completamente a suas demandas. Colocar em cena uma questão singular. Se o diabo (desejo) pergunta: “Que queres?” Há a possibilidade de se escolher outra posição subjetiva na fantasia em relação ao Outro. Diante do goze! A resposta pode ser: quando quiser e se quiser. Diante do trabalhe! Há uma escolha de como trabalhar. Diante do ame! Há a escolha de não amar ou de amar para além do amor.
O desejo se constitui pela falta, se constitui na relação com o Outro. Ora busca-se satisfazer pulsões de desejos originados dessa divisão, outras vezes, para negar essa mesma divisão constitutiva há o imperativo de realizar o desejo do Outro em nós. Para qual desejo dizer sim ou não, é uma escolha!

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