Páginas

sábado, 26 de fevereiro de 2011

CISNE NEGRO OU UM CISNE À DERIVA?

O filme dirigido por Darren Aronofsky com o título original em inglês Black Swan (2010) catalogado no gênero do suspense intriga por sua crítica contundente ao paradoxo mais inusitado que o mundo do capitalismo pós-industrial pode nos levar; a arte pode levar o sujeito à loucura, ela pode virar objeto a ser consumido. Ela pode perder sua função simbólica, despir-se de sua potência criadora e conduzir o sujeito à morte.
Por que falarmos de paradoxo? Aqueles que apreciam a boa literatura, os bons filmes, belas pinturas, esculturas inquietantes e possuem uma leitura mais aberta à psicanálise, antropologia e crítica literária estão familiarizados com a vida e a obra de artistas como Antoine Artaud, James Joyce, Camille Claudel, Vaslav Nijinsky e tantos outros que fizeram da arte sua suplência para não sucumbir à deriva psicótica. A arte nesses casos tinha a função de contorno simbólico e organizador por produzir uma função e um lugar para o sujeito na cena que rege o laço social.
No caso de Nina, interpretada pela excelente atriz Natalie Portman, sua busca pela perfeição técnica, seu empenho para fazer valer a decisão de sua mãe de lhe dar a vida e abandonar seus próprios sonhos, fez de seu desejo a demanda por ser em conformidade ao desejo do Outro Materno, a única face de sua platéia.
O sexo é traumático, nos dizia Freud. O sexo possui uma dimensão diabólica, nos diz Freud, há algo obscuro, não simbolizado, negro (sem luz) em nosso acontecer psíquico que instaura uma inquietante estranheza (Lo Ominoso – Das Unheimliche), como uma marca da alteridade entranhada em nossa constituição subjetiva. Numa dialética própria à alienação e à separação, como processos interligados, um desejo é tecido. Para simbolizar é preciso desejar, é preciso ocupar uma posição de sujeito.
O cisne branco cai para a morte, cai como objeto que denuncia a impossibilidade do sujeito sustentar uma posição objetalizada para o Desejo Materno. Mas, Nina cai junto, fere sua carne no real, ela não encena, ela vai ao ato. Ela vive, ao pé da letra, os mandamentos do diretor da companhia. Ela passa da palavra ao ato e não da palavra à cena.
É aqui que o paradoxo estatela-se em cena no filme, uma crítica feroz que denuncia que a arte, no caso a dança, o balé, pode sucumbir ao consumo, à desumanização, a carência completa de simbolização, à vivência invasora de um imaginário super-real que permite à pulsão de morte governar sem cumprir seu melhor papel quando está a serviço da vida, qual seja: o ato criativo.
Nina entregue ao imaginário que duela a pureza de uma menina meiga contra o escândalo diabólico do sexo, do desejo e do mal, ocupa o lugar daquela que não deseja, da frigida menina meiga, objeto assujeitado. Sem direito à palavra, sem ter com quem falar, na ausência de uma escuta que lhe faça tomar a palavra para se recriar como sujeito, Nina faz sua travessia pelo imaginário, por cenas sem palavras, cenas sem mediação simbólica e por isso sucumbe, se oferece em sacrifício como objeto esculpido para perfeição, mármore fraturado. É só aí, na morte, que ela pôde ser sujeito. E é assim, também, que muitos psicóticos fazem sua última tentativa de sair do lugar de objeto em conformidade ao desejo do Outro, a única forma de produzir uma separação, uma barra à invasão mortificante.
Em Crise da Cultura, Hannah Arendt nos diz que “a atitude do consumo, condena à ruína tudo o que toca”, já Lipovetsky conclui que a era do consumo instaura a “Era do Vazio”. Poderíamos então pensar que o consumo esvazia o simbólico tornando o imaginário oco, vazio, arruinado, desprovido de sustentação para tantas outras suplências...
por Adriana Cajado Costa