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segunda-feira, 5 de julho de 2010

As Impertinências de um reconhecimento


O que o Outro quer de mim? O que o Outro quer comigo? O que queres? Essas são as primeiras interrogações que o sujeito faz para alcançar o amor e o reconhecimento. Diante do júbilo do olhar da mãe, o bebê se identifica com sua imagem no espelho. Nesse tempo, esse sujeito em constituição se oferece em conformidade ao desejo do Outro até o momento em que a privação desse olhar jubiloso abrirá espaço para a castração introduzindo a falta, em forma de Lei, motor do desejo.
Freud nos dizia que tudo o que queremos se traduz em dois significantes: amor e reconhecimento. Nossa trajetória visa alcançar esses dois tesouros. Quais os caminhos identificatórios que situam o sujeito diante do que procura? Quais as imagens de sucesso, fama, felicidade, alegria, bem-estar e prazer que são oferecidas?
Participar na formação de profissionais no campo ético e perpassado pelo respeito e a dignidade, como é o caso de inúmeras profissões, como, por exemplo, a de professor é positivada no imaginário social com o signo do bem sucedido?
Dedicar horas em pesquisas e estudos que culminam em melhor qualidade de vida de uma coletividade é positivado com a marca da felicidade e do prazer?
Quais são os ideais que circulam em nossa sociedade e que nutrem diariamente os sonhos de nossas crianças e nossos jovens?
Uma criança que acompanha seus pais trabalharem dia e noite com seriedade e paixão, mas ao final do mês percebe que seus pais, que se dedicam tanto ao TRABALHO, não podem usufruir de equipamentos culturais e de lazer porque não recebem o suficiente para ir ao cinema, teatro, comprar bons livros e realizar viagens e festas para celebrar suas próprias vidas, certamente vai questionar sobre o reconhecimento de suas práticas e compará-las com o que é reconhecido coletivamente.
O que é reconhecido em nossa sociedade e que recebe com insistência de toda a mídia dozes intensas e quase histéricas de aplausos e júbilo? Façamos um teste: é só ir a uma banca de jornal com uma criança de seu convívio e conversar um pouco com ela sobre o que viu, o que achou e o que percebeu. A maioria dos meninos quer ser jogador de futebol e a maioria das meninas atriz, modelo ou cantora. Será que o imaginário social indica com entusiasmo o prazer que a leitura de um bom livro pode produzir? Parece que prazer e dimensão simbólica estão mutuamente excluídos. Se há alguma relação entre prazer e livro, parece haver apenas naquele retirado das revistas masculinas, que não inclui a dimensão simbólica, mas apenas o prazer em olhar o belo ou o erótico, quando não é pornográfico (uma questão de intimidade e escolha de cada um). Bem, aqui também há outra questão interessante. Existe a “censura” da faixa etária indicativa em filmes e peças de teatro. Indicação que serve para orientar os pais, mas que por lei não pode proibir, pois só compete aos pais a decisão do acesso de seus filhos às produções culturais, o que não ocorre nas bancas de jornais e nos orelhões de algumas cidades. A questão não é moral, pois o sexo faz parte da vida e o belo é seu sustento. O que está em pauta nessa reflexão é o processo de reconhecimento coletivo em nossa sociedade que interfere diretamente na construção dos ideais de cada sujeito. E o primeiro acesso ao reconhecimento é pelo imaginário, a dimensão simbólica é um processo a posteriori que vem num só depois de toda uma rede de significações tecidas.
É importante pensar sobre o que é fonte de reconhecimento numa época de Copa do Mundo em que os jornalistas esportivos erguem os jogadores e seus times ao panteão dos deuses, em que jogadores de futebol, ídolos se milhares de crianças e jovens, ganham somas absurdas de dinheiro, assumem práticas ilegais e criminosas e são acolhidos sem passar pela Lei e pelas conseqüências dos seus atos. Pior ainda, numa época em que pessoas não podem andar tranquilamente pelas ruas, não por conta de assaltos, mas porque podem ser jogadas pelos ares em chamas se tiver o azar de pisar em um bueiro da light no momento de sua explosão.
São constantes as reclamações sobre o comportamento de crianças e jovens, sobre a violência nas escolas, sobre a falta de limites, sobre a intolerância e assim segue uma vasta lista de queixas que só encenam um imaginário social resultante das impertinências de um reconhecimento de personagens que quanto menos estudam mais ganham, quanto menos respeitam mais são respeitados, quanto mais sínicos mais reconhecidos como espertos e inteligentes.Diante do espelho, o que nosso País deseja revelar e diante de que imagens quer produzir júbilo?

2 comentários:

Adriana M Oliveira disse...

Parabéns pelo blog.
Textos muito bons e pertinentes.

Abraço.

Adriana Cajado Costa disse...

Agradeço!
Fica aqui o convite para contribuir com o debate.
Abçs